16/1/11

PASSOS E OLHARES PARA NOVOS TEMPOS


Seus olhos olhavam de forma tranquila e calma, neles não havia medo, não havia temor, mas tampouco tinham raiva nem rancor. Olhavam serenos, olhavam como procurando no profundo, como procurando a essência nos olhos dessas pessoas a sua frente. Olhava-as nos olhos com um olhar de quem já viveu muito e de quem já viu muito e sabe que ainda tem muitas coisas para olhar, para viver e para contar.

Seu olhar era um olhar da tranquilidade, de quem já viu passar a escura noite e de quem viveu sem ter que arrepender-se das decisões tomadas e dos atos feitos. Por que nas decisões e nos atos havia e ainda há muitas razões justas. Tranquilidade da paz e da dignidade por ter respondido ao dever histórico de seu tempo nas circunstâncias em que foi possível. Tranquilidade que lhe permite olhar sem medos e sem remorsos, de quem olha de forma serena e profunda. Um olhar que de quem procura olhar e ser olhada.

A sua frente, eles a esperavam e faziam as saudações correspondentes sem alterar-se: sérios, calados, disciplinados e pulcramente limpos. Estavam milimetricamente alinhados, vestidos para festa, como para honrar e cumprir. Entretanto, ela passava, talvez nunca os teve tão perto de sua mão e talvez nunca antes, eles haviam pensado que a teriam dessa forma. No fundo da grande praça a orquestra fazia soar com força as rítmicas melodias marciais, a música preparada para essa ocasião.

Espaço de tragédias e comédias, vindo do passado, pedindo não serem esquecidas, como se fosse teatro grego modernizado, de caras e caretas representando pessoas-personagens. Parecia que aí só existiram ela e eles, que somente eles e ela estavam no ato. Há quase 40 anos eles quiseram fazê-la acreditar que só existiam eles e ela, que nos porões trágicos era ela e eram eles.

Agora, outros tempos. Os choques elétricos, o pau de arara, as palmatórias, a quebra de dentes, o espancar até deixar à beira da morte por hemorragias, não estão na ordem do dia. Agora nos outros tempos, já não é legal torturar em nome de uma falsa “ordem” e de uma falácia de “progresso”. Agora há outro olhar, que pede outros olhares, é outra a musica, outro o cenário e outras as vestes de vestiduras e investiduras. Claro está.

Ela não tinha pressa no seu caminhar, fazia passos curtos com sempre fez, mas eram passos firmes de quem sabe o que quer. Agora o tempo caminhava a seu favor. De repente deteve seu andar, - isso não esta no protocolo, pensou mais de uma pessoa; mas ela se deteve. Visivelmente algo mais importante que o protocolo e que a rígida disciplina a movia. Seu andar mudou o sentido e ela virou a sua esquerda. Seus passos se fizeram rápidos - e imagino- seus olhos brilhavam como em seus anos de brios e de juventude.

A sua frente, em suas mãos, em seus lábios, beijada por ela, estava a bandeira da nação. Mais que respeito, um gesto de afeto e de muito sentimento. Um gesto de alguém que já deu tudo, até a vida praticamente, por esse símbolo. Mas agora esse pano verde-amarelo, feito de milhões de pessoas, que mais que “suor e lágrimas” são esperança e sonhos, lhe deu esse novo momento para reconhecer sua coragem de quem sobreviveu, de quem calou e fechou os punhos, de quem mentiu para defender verdades, de quem resistiu e voltou a lutar.

Era primeiro de janeiro, lembro nitidamente. A tarde já começava a anunciar sua despedida. Ela digna-senhora, mulher-coragem, guerreira-vencedora, caminhava com esse olhar. Nela e com ela eu e muitas, muitas pessoas mais como eu caminhávamos e olhávamos além do vivido, além do sentido, além do sofrido, além de tantas outras coisas, com seus olhos e seus passos.

Se anunciam agora esses outros tempos e poder-se-iam construir esses outros novos tempos. Agora é o momento para que as memórias submetidas, soterradas, subterrâneas, possam ser escutadas. É o momento em que aquelas pessoas que tiveram que ficar caladas poderão tomar a palavra: para que contem, sinalem, mostrem e possam perguntar: onde estão? Porque o fizeram? Que se conte, que se responda e que possam surgir as verdades.

Se anunciam esses outros tempos, onde as memórias dos diferentes setores da nação possam debater e dialogar. Onde se possa construir uma outra memória nacional e não aquela memória imposta pela força, aquela dos “milagres brasileiros”. Agora poder-se-iam construir esses outros novos tempos onde existirão direitos à memória e à verdade.

Ela seguia caminhando com seu olhar e seus passos. Ela senhora presidente Dilma Rouseff como comandante suprema das Forças Armadas, aquela mesma menina que cheia de valentia e coragem tomou as armas perante a ditadura como uma dos Palmares.

Como representantes das Forças Armadas, eles, honrando e manifestando respeito a àquela que caminhava, autoridade, chefe da nação. Eles senhores das armas da guerra ou da paz, aqueles que poderiam participar dos novos tempos, abrindo os arquivos e contanto onde estão.

Com seus passos e seu olhar esses outros tempos são anunciados. As pessoas como eu, que sofreram repressão, que foram torturadas, silenciadas, arbitrariamente encarceradas, que foram ameaçadas, caminharam e olharam com ela procurando novos tempos. Dos outros tempos, muito foi lembrado. Sentimentos emergiram sendo resignificados.

Reparo social, diz minha querida companheira de luta e futuro, com seu olhar sociológico e sensível. Eu sorrio e digo: é sim. E com minha militância de direitos humanos acrescento: são os tempos para que esta sociedade sare suas feridas.

Mauricio J. Avilez A,

Teólogo e poeta.

Em 15 de janeiro de 2011

Foto: Gustavo Miranda/O Globo

2 comentarios:

  1. MUY BUEN ESCRITO, LA VIDA CAMBIA Y QUE BUENO QUE ES PARA BIEN, HAY QUE SANAR Y SEGUIR MIRANDO HACIA ADELANTE, ES DIGNO DE ADMIRAR A LA PRESIDENTA DILMA ES UN EJEMPLO DE LUCHA Y SABEMOS QUE CON ELLA VENDRÁN NUEVOS Y MEJORES TIEMPOS.

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  2. UN ESCRITO DE ESPERANZA EN CABEZA DE LA PRESIDENTA, UN BUEN HOMENAJE Y UN BUEN ESCRITO, ME GUSTA.

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